sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Estrada de Damasco

Ontem assisti o filme "Ensaio Sobre a Cegueira". Adaptado do livro escrito pelo premiado escritor português Jose Saramago e dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Achei que valia a pena comentar este filme, isso porque não consegui parar de pensar nas coisas que vi e senti ontem. Não li o livro, na verdade nunca li um livro sequer do Saramago (ontem percebi o que eu estava perdendo), logo não estou apto a fazer um comentário com muita propriedade, mas posso sim falar do que senti ao assistir a adaptação de um fragmento da obra deste, agora admirado por mim, autor.

Algo que me chamou a atenção foi como o caos foi descrito. Em outros filmes de catástrofes, por mais que a situação seja impossível de ser resolvida, dependendo de uma ação heróica/milagrosa do protagonista, quase sempre temos pessoas formulando planos para a solução do problema, seja o governo norte americano (quase sempre com "ar" de governo da humanidade) ou civis comuns, sempre existem pessoas tentando resolver a apocalíptica questão. Nesta história toda a humanidade é totalmente impotente, nenhum "Will Smith" ou "Tom Cruise" seria capaz de sequer ter esperança para pensar em uma solução para a questão. Nada poderia ser feito, a "epidemia" era totalmente misteriosa até mesmo para os maiores especialistas e em breve alcançaria a todos.

Mais uma vez me percebi com um sentimento que sempre vem quando vejo filmes ou leio histórias onde pessoas vivem situações extremas, desumanas, ficam no limite. O estranho é que este sentimento não me parece fantasioso, como estas histórias são. Parece que todo conforto que tenho, caso me seja tirado, poderá amplamente me transformar, a segurança que sinto, se me for arrancada, parece que tem o poder de mudar meus valores. Sinto que meu estilo de vida, civilizado, gentil, em uma situação extrema pode em um instante não fazer o menor sentido.



Quando um filme com está temática acaba, o sentimento, que realmente deixa a trama muito mais atraente, vai embora da mesma forma repentina que chega. Por algum motivo, esta história, como uma droga mais forte, me causou uma "onda" mais duradoura, a ponto de me acompanhar até minha cama e me tirar alguns minutos de sono. Acho que isso está associado a uma cena onde um padre compara a cegueira, que havia alcançado quase toda a humanidade, a cegueira de Saulo na Estrada de Damasco. Não sei se esta cena tem todo o significado que imagino, como não li o romance e não sei como pensa Saramago, nada posso afirmar sobre as intenções do autor simplesmente vendo a cena, que sinistramente mostrava as esculturas e pinturas dos "santos" vendadas. Mas tudo começou a fazer sentido para mim, mesmo que não seja exatamente esta a intenção do autor.

Uma forte mensagem do filme é que quando estamos fragilizados o sentimento de comprometimento mútuo aflora. Os personagens dependiam uns dos outros de uma maneira quase que humilhante, eram de fato dependentes, sozinhos qualquer um, exeto a mocinha, que era a única com o dom da visão, morreria rapidamente. Neste ambiente desenvolvem-se relacionamento de maneira muito mais profunda, amizades nascem sem preconceitos, o afeto é, aparentemente, mais puro e verdadeiro. A cegueira trouxe, aos mocinhos do filme, algo relevante e precioso.

Mas a cena do padre comparando a situação relatada no filme com o que ocorreu com Paulo realmente não sai da minha mente. A forma como Jesus tratou Saulo e o transformou no Apóstolo Paulo foi realmente peculiar. A transformação de um obstinado e violento opositor em um dos mais brilhantes aliados foi um evento marcante na história do cristianismo e me faz pensar como fragilizar pode ser o primeiro passo para transformar.

Palavras de José Saramago, na apresentação pública do seu romance Ensaio sobre a Cegueira.


"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."


Entender esta mensagem não é importante apenas para nosso desenvolvimento como seres humanos, como poderia propor Saramago, disto depende nossas almas! Reconhecer nossos pecados é o primeiro passo para receber a Graça Transformadora do Altíssimo.



1 comentários:

Siméia disse...

Nossa parabêns pela sua resenha sobre o filme, foi relmente brilhante!!!!